Segunda-feira, 2005-09-12 22:09:40
Durante o dia de hoje tivemos a companhia do Ricardo, um estudante de medicina do 5º ano, que está em S. Tomé a fazer um trabalho na área da saúde pública. Começámos pelo hospital de Angolares, onde fiz quatro consultas. Não havia nada de complicado, tirando algumas dificuldades pontuais de comunicação com uma doente mais velha que falava em Angolar (o dialecto local). Em dois dos doentes, apesar do teste da gota espessa ter sido negativo (só temos acesso a este teste no hospital e no posto de Porto Alegre), fiz medicação para a malária, o que aqui se chama de primeira intenção (a primeira linha para tratamento da malária não complicada) pois não podemos correr o risco de deixar passar falsos negativos.
Feito o trabalho no hospital partimos para Vila Malanza, onde nos esperava o padre Domingos com um grupo de jovens da Trindade (cidade próxima da capital). Estes jovens vêm fazer uma espécie de retiro, ao mesmo tempo que ajudam socialmente a comunidade de Vila Malanza. Levamos-lhes alguns caixotes de roupa e calçado para que possam distribuir às crianças da população. Depois de almoçar, apesar de não ser dia de consulta, tínhamos doentes à espera no posto de saúde, a quem não nos negámos a ver.
Além do que tenho visto aqui em S. Tomé, tínhamos uns doentes muito especiais. Dois jovens irmãos de 2 e 4 anos com infecções pela pulga do porco, uma situação bastante frequente, mas com a qual ainda não me tinha deparado. A pulga do porco pode invadir a pele dos humanos, onde deposita inúmeros ovos encapsulados numa espécie de quisto. A infecção dos humanos é frequente, principalmente nos pés, já que existem numerosos porcos que vagueiam livremente por todo o lado, a maioria das pessoas anda descalça e as condições de higiene deixam muito a desejar. Os pés destas duas crianças impressionavam com a sua sujidade, zonas de tecidos mortos (necrose), úlceras e quistos com ovos da pulga do porco. Aproveitámos a ocasião para ensinar aos jovens da Trindade algumas técnicas de limpeza e desinfecção para que possam ser eles mesmos a retirar os quistos com ovos da pulga. Eu estive a tentar cuidar dos pés do miúdo de 2 anos. A tarefa foi difícil porque não dispomos de qualquer tipo de anestesia (em Portugal esta criança teria ido ao bloco operatório fazer a remoção dos quistos e dos tecidos mortos sob anestesia geral) e a criança era muito pequena para colaborar. Consegui retirar alguns dos quistos com ovos, por vezes segurando à força a criança que se debatia, mas, para não prolongar mais o sofrimento, não os consegui remover todos. Depois de fazer um penso, vestimos e calçámos o nosso doentinho. Entretanto, alguns dos jovens da Trindade dominavam já a técnica de remoção dos quistos e, com a notícia de oferta de calçado às crianças, rapidamente surgiram mais candidatos a fazer o tratamento. Foi uma actividade muito positiva porque ensinamos alguns dos locais a fazer o tratamento (ou seja, tornámo-los menos dependentes da AMI) e distribuímos roupa e calçado a quem precisa, ao mesmo tempo que utilizámos essa distribuição para estimular a ida ao médico.
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