Terça-feira, 2005-09-13 22:09:48
Como neste momento somos três médicos, hoje decidimos dividir tarefas: cada um ficou com o seu posto comunitário. Eu fiquei com o posto de Emolve. Esta zona possui um grande palmal (plantação de palmeiras), que alimenta uma fábrica de produção de óleo de palma, que tivemos oportunidade de visitar na primeira semana cá.
O caso mais interessante que apareceu durante a manhã foi o de um homem de 46 anos com depressão. Já tinha vindo à consulta há duas semanas, altura em que lhe diagnosticámos paludismo. Satisfeito com a maneira como decorreu a consulta e com o bom resultado do tratamento, voltou para contar alguns problemas que não tinha relatado na primeira vez. Esta situação é muito frequente, os doentes utilizam o primeiro contacto para resolver o problema mais urgente e, ao mesmo tempo, apalpar terreno. Se a impressão for positiva, na segunda visita ao médico já vêm contar as situações mais delicadas ou que têm mais a ver com a sua intimidade e que os atormentam há mais tempo. Foi o caso deste doente, desta vez vinha-se queixar de insónia, diminuição da libido, cansaço e tristeza. Depois de uma pequena conversa, era óbvio o diagnóstico de depressão. No entanto, à semelhança do que já tinha acontecido em situações semelhantes, não tinha qualquer terapêutica para lhe oferecer. Espero que esta situação se resolva brevemente, uma vez que pedimos à AMI em Lisboa para nos enviar antidepressivos (entre outros medicamentos), pedido a que obtivemos resposta positiva.
Depois de acabar as consultas em Emolve ainda fui dar uma ajuda em Ribeira Peixe, onde estavam bastante mais doentes. Finda a actividade clínica regressámos a Angolares, onde fui comprar um belo peixe fumo que nos serviu de almoço e jantar e ainda sobrou para o almoço de amanhã (tudo isto por 80 000 dobras 6,35). Enquanto a nossa empregada (a Antónia) nos preparava o peixe fumo, tratámos da cedência de alguns medicamentos da AMI ao hospital de Angolares. Amanhã vou dedicar parte do dia a proceder ao inventário do material disponível no armazém da AMI, para que possamos planificar a sua cedência ao hospital local e a distribuição de roupa e calçado pela população.
A seguir ao almoço ainda houve algum tempo para visitar a roça da Boa Vista, que fica a cerca de 5 quilómetros de casa. Os edifícios da roça são pequenos e a visita valeu mais pelo percurso pelos seus terrenos (além da sua beleza, um verdadeiro desafio todo-o-terreno). Na viagem de regresso parámos na roça de S. João, onde mais uma vez estivemos a brincar com as crianças. No meio de ginástica, jogos e correrias, lá fomos dando alguns conselhos de higiene e saúde aos miúdos.
Quando nos preparávamos para jantar e dar o dia por encerrado ainda surgiu uma consulta inesperada à porta de casa. Um dos nossos vizinhos veio-nos procurar preocupado com o filho. Dissemos-lhe que o trouxesse para vermos do que se tratava. A criança de 6 anos tinha sido já submetida a uma cirurgia ao pénis (provavelmente por uma situação chamada fimose, mas o pai não nos conseguiu explicar bem), mas agora tinha o que se designa por freio curto do pénis. Esta condição provoca uma ligeira deformidade, razão da preocupação do pai. Tranquilizámo-lo pois a situação não é grave e está muito a tempo de ser corrigida cirurgicamente sem deixar quaisquer sequelas. Mais uma vez foi um prazer verificar que, à medida que nos vão conhecendo, as pessoas perdem o medo e aproximam-se dos médicos da AMI para que os possamos ajudar.
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