Quarta-feira, 2005-09-14 23:09:53
 Se há uma coisa que posso dizer após duas semanas e meia em S. Tomé, é que a vida por aqui não é nada monótona, bem pelo contrário. Hoje o meu relato começa bem cedo. Depois do banho, quando me estava a calçar, reparei que tinha um pequeno ponto escuro na planta do pé com um halo vermelho à volta. Uma observação mais cuidada confirmou a suspeita inicial, era mesmo tunguíase, isto é, uma pulga do porco (Tunga penetrans) tinha-me infectado, apesar de andar sempre calçado e de meias (excepto na praia). Nada que um pequeno gesto cirúrgico, com a ajuda do Dr. Stepan, não resolvesse. Como notei a sua presença cedo, apenas foi preciso remover a pulga propriamente dita, ainda não existiam ovos.
Já sem pulgas, mas com um belo buraco no pé (nada que incomode muito), parti para o armazém da AMI, onde passei a manhã a inventariar o material lá guardado. Com o calor que faz sempre por estes lados e a movimentação de caixotes, rapidamente fiquei a suar em bica. O cansaço fez com que desse a manhã por encerrada às 12h30, quando já tinha inventariado e posicionado mais de 200 caixotes de roupa, calçado, brinquedos e material médico. Ainda assim não concluí a minha tarefa, ainda falta inventariar e organizar a maioria do material médico.
Regressado a casa, eu o Dr. Stepan Harbuz (o Dr. Ricardo Leitão tinha ido à capital tratar de aspectos burocráticos / logísticos) tínhamos à espera duas belas postas do peixe fumo de ontem. A acompanhar tínhamos uma saborosa salada de couve, cenoura, cebola e tomate tipicamente ucraniana, preparada pelo Dr. Stepan. Depois de almoço ficámos a descansar, eu aproveitei para estudar um pouco. Nisto toca o telefone. Havia uma grávida em trabalho de parto em Iô Grande e o seu marido tinha vindo a Angolares pedir a ambulância para a ir buscar. Contudo, a ambulância estava na cidade de S. Tomé, de maneira que nos ligaram do hospital de Angolares para pedir o jipe da AMI. Em alguns minutos localizámos o nosso motorista e lá fomos nós. O Adelino (o motorista), que normalmente é bastante calmo a conduzir, assumiu o papel de condutor de ambulância e só não chegámos mais depressa porque os buracos da estrada não permitem grandes velocidades durante muito tempo. Em Iô Grande tínhamos à espera uma mulher jovem, grávida do seu primeiro filho e ainda com a bolsa de águas íntegra, nada de preocupante. Colocámo-la deitada num dos bancos de trás e transportámo-la de volta a Angolares, onde verificámos que apresentava uma dilatação de três centímetros e meio. Tudo isto indicava que o parto ainda ia demorar. Deixámo-la nas mãos experientes da enfermeira Ana com instruções para nos chamar em caso de necessidade e fomos jantar. Há cerca de meia-hora estivemos no hospital, mas o parto ainda vai demorar. A dilatação era de cinco centímetros e as contracções tinham um intervalo de 7 a 10 minutos. Muito engraçado (para quem está de fora) foi ver a maneira como a nossa parturiente suporta as dores. Os “ai”, “ui” e outras expressões de dor não são gritados, são cantados: “aaaiiiieeeeeiiii”, “uuuiiiiiiiaaa”, etc. É importante não esquecer que os partos aqui fazem-se sem anestesia epidural, sem a ajuda de fármacos (como a occitocina) e, a partir da meia-noite (como será o caso de hoje), à luz das velas!
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