Domingo, 2005-09-25 23:09:37
Ontem cheguei a casa já tarde e cansado, de modo que não consegui sequer escrever o diário, quanto mais colocá-lo online. Faço-o hoje.
Hoje estive um pouco sozinho: o Dr. Stepan Harbuz tinha feito uma entorse ontem na praia e tinha de fazer repouso, o Dr. Ricardo Leitão tinha de resolver assuntos logísticos relacionados com a chefia da missão. O dia começou bastante cedo, às 8h00 desci para o hospital de Angolares, onde passei visita aos oito doentes internados. Estavam lá alguns dos casos que tínhamos internado no dia anterior, nomeadamente a senhora da dor abdominal. Hoje estava bastante melhor, sem qualquer queixa e a alimentar-se, pelo que lhe dei alta. Os outros doentes internados estavam todos a evoluir bem, de acordo com o previsto. Observei todos os doentes, fiz algumas alterações terapêuticas e dei mais algumas altas.
Visto o hospital, parti para a capital, onde me ia encontrar com o Manuel o cozinheiro da roça de S. João que nos tinha feito o almoço no dia anterior. Uma vez que ele ia à cidade, tínhamos-lhe pedido para fazer as nossas compras de fruta e vegetais. É que os preços que ele consegue são incomparavelmente inferiores aos que nos fazem. Por exemplo, uma manga, que custa ao Manuel 500 dobras, é-nos vendida a nós por 4000 dobras. Encontrei-o junto à paragem do táxi que parte de Angolares. Dirigimo-nos para o mercado, onde o Manuel já tinha feito todas as compras. Convidei o Manuel para um sumo e um bolo e ofereci-lhe uma pequena gratificação (quase um décimo do seu ordenado mensal, mas que não chega a 5 euros) pelo favor que nos tinha feito. No final, deixei-o junto a uma loja onde ia comprar duas chapas de zinco para o telhado da sua casa em construção. Contou-me que no próximo mês conta ter dinheiro suficiente para comprar a última das chapas de zinco que precisa para concluir o telhado. De seguida fiz as compras do supermercado (onde os preços são iguais para todos, mas inacessíveis à maioria dos sãotomenses) e fui almoçar um belo bitoque (para matar saudades da comida portuguesa).
Aproveitei a tarde para tirar algumas fotografias da cidade e ler um pouco junto ao mar. Enquanto tirava fotos encontrei o senhor Acácio, que se dispôs a conversar um pouco. Este homem de 64 anos foi padeiro toda a sua vida, agora vive com uma magra reforma, parte da qual gasta em bebidas alcoólicas. É uma pessoa bastante interessante, com as suas próprias ideias sobre tudo o que é assunto: a razão porque S. Tomé não se tem desenvolvido, os problemas dos jovens sãotomenses, o que fazer com o dinheiro do petróleo que vai começar a ser explorado nos mares do arquipélago, os estrangeiros que vivem na ilha, os médicos e até como identificar mulheres com SIDA (provando a pele para saber se tem sal pessoa saudável ou não pessoa com SIDA). Juntou-se a nós um amigo do senhor Acácio que passava, mas cujo nome não fixei. É um ex-militar na reserva, que agora faz segurança privada porque a reforma não chega para alimentar a família (os meus filhos não sabem o que é queijo porque não tenho dinheiro para comprar). Foi uma hora muito bem passada a conversar com estes dois senhores. Depois voltei às fotografias e à leitura.
Às 19h fui jantar com os elementos da missão médica de Taiwan (dois médicos, um acumpuntor, um dentista e três pessoas que fazem suporte logístico). O jantar estava óptimo: comida tradicional de Taiwan (que é como quem diz comida chinesa, já que a separação entre os dois estados existe há pouco mais de 50 anos) preparada ao estilo caseiro. Discutimos algumas propostas de cooperação no distrito de Caué, nomeadamente no plano da saúde oral. Consegui ainda que oferecessem à AMI uma máquina de medir a glicémia capilar (usada para controlar a diabetes) e respectivas tiras e lancetas. Parti para Angolares já depois das 21h30, altura em que já quase ninguém se aventura a fazer a viagem de 42 quilómetros pois um furo ou uma avaria que não se consigam resolver implicam uma noite dormida no carro até que alguém passe na manhã seguinte. Apesar disso, hoje a estrada pareceu-me com muito menos buracos do que na primeira vez que fiz este percurso. Talvez seja de já estar em S. Tomé há algum tempo e já ter visto estradas em muito pior estado de conservação aqui no distrito de Caué. Quando chegar a Portugal devo estranhar a falta de solavancos e de buracos na estrada para me desviar
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