Segunda-feira, 2005-10-03 23:10:07
Depois de um fim-de-semana bem descansado, hoje foi um dia com bastante trabalho. Eu e o Dr. Stepan Harbuz saímos de casa às oito da manhã e fomos fazer consultas para o hospital de Angolares. Precisamente quando estávamos a sair o tempo decidiu mostrar-nos o que é uma chuva tropical a sério. Cheguei ao hospital com as calças todas molhadas e, não fosse o impermeável, o banho teria sido bem maior. Até às 10h30 vimos sete doentes cada um. Dois dos casos que atendi merecem destaque. O primeiro de um menino de um ano e dois meses, que a mãe trouxe porque desde sexta-feira tinha febre e um abcesso sobre a região anterior do tórax. Quando lhe pedi para despir a criança fiquei surpreendido. Uma massa com cerca de 4 cm de diâmetro estava saliente sobre a porção inferior do esterno. Mais espantado fiquei quando verifiquei que esta massa tinha consistência óssea. A criança tinha uma fractura desalinhada do esterno, não admirava que chorasse tanto quando eu lhe tocava. A mãe negava que o menino tivesse caído ou dado qualquer pancada que tivesse provocado a fractura, dizia simplesmente apareceu. Não me pareceu que a história estivesse muito bem contada (as fracturas do esterno não caem do céu), mas lá fiz a nota de transferência para o menino ir para o hospital da capital, onde poderia ser radiografado e visto por um ortopedista. O segundo caso é também pediátrico: uma menina de um ano e um mês trazida pela mãe por febre e vómitos desde há algumas horas. Quando lhe medi a temperatura tinha 38,5º C, o que me deixou algo apreensivo. Não havia qualquer outro sintoma, o que, associado à ainda curta duração da doença, não ajudava muito a um diagnóstico preciso. Não tendo exames complementares à disposição, optei por tratar a criança como se de uma gastrite viral se tratasse (os vírus são a causa mais frequente de gastrite nesta idade). Mesmo assim não fiquei muito descansado, estes sintomas poderiam ser apenas o início de algo mais grave. Por isso pedi à mãe que regressasse ao final da tarde, para que pudesse reobservar a criança.
Atendidos os doentes de Angolares, partimos para Porto Alegre, onde estavam sete doentes à nossa espera. À segunda-feira há menos doentes e gastamos mais tempo na viagem de ida e volta (uma hora e quinze minutos para cada lado) do que nas consultas. No entanto, de forma alguma é uma viagem em vão. Se não fôssemos a Porto Alegre às segundas-feiras, os doentes da região (ao posto de Porto Alegre acorrem também os doentes de Vila Malanza e Ilhéu das Rôlas) teriam se deslocar até Angolares. A maioria das pessoas vive com muito pouco e não pode pagar o táxi. Imagine-se o que é fazer a pé uma viagem que demora mais de uma hora de jipe! Ainda por cima por terreno montanhoso e quase sempre com chuva.
Quando vínhamos a passar por Vila Malanza no regresso houve uma senhora que nos pediu para parar. Queria boleia para Angolares, onde ia ao hospital e à esquadra de polícia porque o marido lhe tinha batido. Tinha sido um fim-de-semana de festa em Vila Malanza e, como é comum, o consumo de bebidas alcoólicas foi superior ao normal.
Chegámos a Angolares às duas da tarde e fomos comprar peixe para o almoço. O rio que separa a estrada da praia onde ficam as canoas dos pescadores tinha água pela cintura, de modo que não pudemos atravessar. O nosso motorista conseguiu que um pescador viesse até nós para lhe comprarmos alguns fulo-fulos. Ficou também prometido que lhe compraremos um peixe fumo amanhã ou depois (se o conseguir pescar, claro). Quando nos sentámos a almoçar já eram quase três e meia e a fome bem grande.
Com a barriguinha cheia (ao contrário da maioria dos habitantes de S. Tomé), regressei ao hospital para rever a menina que de manhã tinha mandado voltar. Não tive muita sorte, esperei, mas não apareceu a criança nem a mãe. Espero que isso queira dizer que está melhor e a mãe entendeu que não precisava de voltar ao médico. No entanto, não fico muito descansado. Enquanto esperava fui conversando com o enfermeiro Nelson acerca de futebol (os santomenses seguem atentamente o campeonato e a selecção de Portugal), política, o dinheiro do petróleo que nunca mais chega (S. Tomé vai ser brevemente um país produtor), as diferenças entre a Europa e África, etc. Voltei a casa antes de anoitecer, onde, lutando com as falhas de electricidade, estive a preparar a acção de formação de amanhã, a ler emails de alguns amigos, a responder-lhes para matar saudades e, claro, a escrever mais uma entrada do diário.
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