Segunda-feira, 2005-10-10 22:10:21
O dia não começou muito bem: quando estávamos prestes a sair vimos que um dos carros tinha um pneu furado. É o segundo furo no espaço de quatro dias, o que ilustra a quantidade de buracos das estradas no distrito de Caué. Resolvido o problema fomos para o hospital de Angolares, onde passámos visita aos doentes internados. O senhor da diarreia que tínhamos visto ontem já estava melhor e sem febre. No entanto, os olhos estavam um pouco amarelos (ictéricos), o que pode significar que tinha de facto malária (a destruição dos glóbulos vermelhos pelo parasita pode causar icterícia). Por outro lado, continuava com diarreia, o que não é muito habitual na malária. Como sempre fazemos nestas situações, o doente é tratado como se tivesse as duas doenças. Não temos meios para confirmar ou negar qualquer dos diagnósticos, de maneira que não arriscamos. A propósito deste doente soubemos pelo Delegado de Saúde que têm havido alguns casos de cólera noutros distritos e o risco de uma epidemia não está completamente afastado.
A meio da manhã fiz uma acção de formação sobre Depressão aos enfermeiros do hospital. Esta é uma doença sobre a qual os técnicos locais sabem pouco pois preocupam-se principalmente com as doenças infecciosas. Contudo, mesmo a Organização Mundial de Saúde tem destacado a sua importância, não só nos países industrializados, mas também nos países em via de desenvolvimento. Gostei muito da sessão, principalmente pela discussão que houve no final. Todos mostraram muito interesse em aprender e colocaram questões muito pertinentes. O objectivo da acção de formação foi sobretudo o de alertar para a importância da doença e ensinar o seu diagnóstico. Quanto a tratamento, como já tinha escrito há alguns dias, os anti-depressivos são medicamentos raros por estas bandas, pelo que muitas vezes a única intervenção possível é a psicoterapia caseira (isto é, conversar com os doentes durante trinta minutos ou uma hora de cada vez).
Ao final da manhã partimos para Porto Alegre, onde fizemos onze consultas. Houve uma que me deu um prazer especial. Era um senhor que provavelmente (não temos exames auxiliares para confirmar) tem hiperplasia benigna da próstata e, como consequência, tem tido infecções urinárias de repetição. Não temos no nosso arsenal qualquer medicamento para esta doença, pelo que pedi à sede da AMI em Portugal que me enviassem um dos fármacos indicados nesta patologia. O medicamento chegou no final da semana passada à embaixada portuguesa através de mala diplomática. Hoje senti-me um pouco menos impotente face à escassez de meios, pois pude oferecer a este doente um medicamento que o vai realmente ajudar no tratamento da sua doença.
Acabámos as consultas à uma da tarde e seguimos para a praia piscina (a dois quilómetros). À chegada encontrámos um pescador que voltava de fazer caça submarina. Comprámos-lhe três polvos e dois peixes, tudo por dois euros. Durante a tarde aproveitámos o sol tropical para recuperar do fim-de-semana mais burocrático.
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