Segunda-feira, 2005-10-17 21:10:49
O dia começou mais uma vez com uma avaria. Tínhamos deixado o ar forçado do Opel Frontera ligado toda a noite, de maneira que não tínhamos bateria para arrancar hoje de manhã. Já sabíamos que, ao contrário da maioria dos carros, o nosso Opel Frontera não desliga automaticamente o ar quando se retira a chave, é preciso fazê-lo manualmente. Mas ontem falhou esse pormenor. Nada de muito grave, o nosso motorista resolveu o assunto trocando as baterias com o outro jipe em funcionamento.
No hospital a nossa doente da dor abdominal já estava bem melhor. A hipótese diagnóstica que temos como mais provável nesta altura é litíase vesicular (pedras da vesícula), mas não temos meios para a comprovar. Dos casos que vi hoje na consulta externa destaco uma senhora de 40 anos que tinha sido agredida há quatro dias e vinha por dor muito intensa no ombro esquerdo. A dor era tão intensa que mal conseguia mover o braço, mesmo quando os movimentos eram feitos de forma passiva (isto é, por mim). Provavelmente tinha uma fractura ou uma luxação do ombro, pelo que, depois de fazer um medicamento para as dores, a enviei para a capital para fazer uma radiografia e ser tratada lá.
Antes de partirmos para Porto Alegre, o Delegado de Saúde informou-nos que esta semana vai ser movimentada em termos de visitas oficiais: quarta-feira temos a Organização Mundial de Saúde em Porto Alegre e quinta-feira a UNICEF em Angolares. Para que os doentes dos Postos Comunitários não fiquem sem consulta esta semana vamos ter de fazer alguma ginástica. A consulta no Ilhéu das Rôlas será feita amanhã pelo Dr. Américo e os postos de Porto Alegre e Vila Malanza passam para quarta-feira antes da visita da OMS.
À chegada a Porto Alegre distribuímos algum material escolar na escola primária. Pouco depois recebemos uma péssima notícia: um senhor veio queixar-se de que o enfermeiro do Posto a quem tínhamos deixado roupa e calçado apenas a distribuiu pela sua família. Teria, segundo este senhor, até tentado vender algumas das peças. A ser verdade, não é caso único no distrito, mas não deixa de ser muito frustrante. É muito complicado fazer com que a nossa ajuda chegue às pessoas que mais dela necessitam. O enfermeiro não estava no Posto de Saúde, pelo que a descompostura vai ter de ficar para a próxima. Tínhamos à espera uma menina de um ano e nove meses com paludismo grave. Fizemos o pedido de internamento e mandámo-la para Angolares com o nosso motorista no final da consulta. Outros três doentes que já vão ficando meus conhecidos também merecem destaque hoje. Em primeiro lugar, a jovem de vinte anos com epilepsia. Já estava a fazer a medicação desde a semana anterior, mas a mãe não tinha percebido bem as instruções e estava a fazer apenas metade da dose prescrita. Lá lhe ajustei a dose, expliquei várias vezes à mãe o que tinha de fazer até me parecer que já tinha percebido. Esta jovem continua a ter crises epiléticas, o que é normal, pois a medicação ainda está a ser feita numa dose subterapêutica. É necessário subi-la aos poucos por causa dos efeitos secundários, mas entretanto as crises continuam. O doente seguinte é um senhor que provavelmente tem hipertrofia benigna da próstata, para quem conseguimos que viesse de Portugal um medicamento que não existe cá. Disse que se sentia um pouco melhor, mas ainda é cedo para este fármaco mostrar resultados. Será talvez um efeito placebo do medicamento ou do médico
A terceira doente é uma senhora de 70 anos com hipertensão e insuficiência cardíaca. Na consulta passada tinha-se queixado de umas borbulhas que lhe tinham aparecido na pele. Hoje estava muito contente porque as tinham desaparecido com a medicação que lhe prescrevi. Até se esqueceu de me falar nas habituais dores nos joelhos. No entanto, lá me foi dizendo que se sentia bastante cansada e até me explicou porquê: quando tenho fome sinto-me mais cansada, quando como não. Dentro da pobreza do povo de Caué, os idosos são os mais afectados: já não podem trabalhar tanto, não têm reforma e não recebem grande apoio dos filhos (que muitas vezes mal conseguem sustentar as suas próprias famílias).
Acabámos as consultas à uma da tarde e fomos para a Praia Piscina aproveitar o sol da região de Porto Alegre. Foi uma excelente tarde de praia, sem chuva para nos expulsar. Ainda por cima a maré estava cheia, o que torna a piscina natural ainda mais agradável.
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