Quinta-feira, 2005-10-20 23:50:02
Hoje foi um dia bastante preenchido. A primeira novidade é que aceitei o convite da AMI para prolongar a minha missão até 11 de Dezembro. São mais seis semanas de trabalho, em que, além do que tenho feito até aqui, espero conseguir concretizar alguns projectos novos. Um deles é criar um pequeno programa que facilite a análise estatística da nossa actividade médica, que já comecei a escrever. Outro é fazer um rastreio da diabetes à população do distrito; já tenho uma ideia do que quero fazer, mas falta passar o protocolo para o papel. Pretendo também continuar a trabalhar no inventário e fazer mais acções de formação.
Mas, voltando ao dia de hoje… Quando chegámos ao hospital fomos informados pelo Dr. Américo que os testes preliminares feitos a um doente de Porto Alegre (evacuado para a capital na terça-feira, pouco depois de termos levado o doente da hérnia encarcerada) confirmam a suspeita inicial: cólera! Como o doente não tinha saído da região de Porto Alegre nos dias anteriores, há uma probabilidade elevada de termos um primeiro foco da epidemia no distrito. Estivemos a analisar que material tem a AMI armazenado para fazer face a uma possível epidemia (soros, sistemas de infusão, antibióticos), verificando que carências podem ser supridas a nível local. Depois foi organizada uma equipa para ir a Porto Alegre fazer a profilaxia antibiótica à população, desinfecção dos locais onde esteve o doente e de lugares públicos e sensibilização da população. A equipa deveria seguir num dos nossos jipes, mas este avariou logo à saída do hospital, de modo foram na ambulância. Fomos também convidados pelo Dr. Américo a assistir a uma conferência do Director Regional da Organização Mundial de Saúde para África, a decorrer durante a tarde na capital.
Durante o resto da manhã fizemos consultas, vimos os doentes internados e passámos de fugida pela cerimónia da UNICEF. Almoçámos cedo e partimos para a cidade. No caminho passámos pelo filho do doente da hérnia encarcerada. Agradeceu-nos e contou que o pai já tinha sido operado e estava bem melhor. Na capital, a primeira paragem foi na oficina, onde comprámos um filtro de gasóleo novo para o jipe avariado. Depois fomos à AIR Luxor tratar da alteração da data do meu bilhete de regresso e ao Serviço de Migração e Fronteiras saber dos procedimentos que terei de realizar para prolongar o visto de permanência no país.
A conferência do Director Regional da OMS, um médico de Saúde Pública angolano, começou com o atraso usual. Estavam presentes os representantes locais da OMS, Ministro e altos dirigentes do Ministério da Saúde, Delegados de Saúde de todo o país, parte do corpo diplomático e representantes das ONGs e cooperações de vários países. Discutiram-se os problemas da saúde específicos do contexto africano, o impacto dos determinantes ambientais da saúde (nível económico, condições de saneamento básico, habitação, educação, etc.), a adequação de oferta de cuidados de saúde às populações (especialmente nos meios rurais), alguns bons exemplos de países africanos em que a infecção pelo vírus da SIDA tem vindo a diminuir, entre outros assuntos.
Na viagem de regresso encontrámos em Angra Toldo (a localidade mais a norte do distrito de Caué) várias pessoas à beira da estrada a fazerem-nos sinal para parar. Tinha desaparecido uma menina de nove anos e queriam que levássemos uma mensagem à esquadra de polícia em Angolares enquanto continuavam as buscas. Não pudemos fazer muito mais porque não conhecemos a região e a única iluminação de que as pessoas dispunham para procurar a menina eram velas. Corríamos o risco de ficar nós próprios perdidos ou cair nalguma ravina. Limitámo-nos a levar a identificação e descrição da menina à polícia em Angolares. No entanto, os agentes de serviço também não podem fazer muito, nem sequer têm transporte (o jipe da polícia não sai à noite pois não há dinheiro para o combustível). Esperemos que tudo corra pelo melhor.
Depois de jantar veio uma surpresa agradável: após mais de duas semanas de ausência, voltou a luz eléctrica pública à nossa metade de Angolares.
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