Terça-feira, 2005-10-25 23:10:01
Desde o pôr-do-sol de ontem até ao princípio da noite de hoje não parou de chover. Caiu sobre S. Tomé um verdadeiro dilúvio. Não é aquele chover todo o dia de chuva miudinha a que estou habituado em Portugal, é chuva a sério, daquela em que bastam uns segundos desabrigado para ficar todo ensopado. Foi debaixo desta chuva que saímos de casa para fazer consultas no hospital de Angolares. O Dr. Américo teve de ir à capital resolver alguns problemas que a ambulância tem tido, de modo que hoje, além dos postos, também tínhamos o hospital a nosso cargo. Fizemos uma dúzia de consultas e internámos duas crianças: uma menina com diarreia e vómitos e um menino com pneumonia.
Partimos para Ribeira peixe cerca das 9h30, com a chuva a obrigar a cuidados redobrados na condução. Quando passámos na ponte sobre o rio Iô Grande (o maior da ilha, cujos afluentes vêm das encostas do cone vulcânico central) o espectáculo era digno de se ver: o nível da água estava vários metros acima do habitual, a água estava castanha pela quantidade de sedimentos que transportava, viam-se árvores inteiras que tinham sido arrancadas a flutuar e as correntes e redemoinhos que se formavam na curva do rio impunham respeito. Não era nada bom augúrio para a nossa travessia sobre a ponte provisória do rio Caué para chegar a Monte Mário.
Em Ribeira Peixe fizemos treze consultas. Seguimos para Emolve, onde nos esperavam seis doentes. No posto de Emolve a sensação da intensidade da chuva é multiplicada várias vezes pelo telhado de zinco. O ruído provocado pela queda da chuva obriga-nos a levantar a vós para conseguir comunicar com os doentes.
A chuva continuava a cair com grande intensidade quando saímos de Emolve para Monte Mário, mas sem grande esperança de conseguir atravessar. Ao chegarmos à ponte provisória do Rio Caué os nossos receios confirmaram-se: o rio passava quase um metro acima da altura da ponte, era impossível atravessar. Foi uma visão especialmente incómoda porque sabíamos que tínhamos doentes à nossa espera em Monte Mário. Em particular, havia uma mulher jovem que eu tinha visto em casa há uma semana (ver diário de 18 de Outubro) que tinha particular interesse em ver hoje na consulta. Esta mulher tem provavelmente uma doença psiquiátrica chamada doença bipolar e o seu comportamento está a gerar grande ansiedade na família. Tinha prometido ao pai que hoje traria o medicamento necessário para a começar a tratar, mas não pude cumprir a promessa.
De volta a Angolares, passámos uma visita pela enfermaria e fomos almoçar. Estava a lavar a loiça quando tocou o telefone: havia uma doente que os enfermeiros queriam que fossemos ver ao hospital e um outro doente para ser evacuado de Dona Augusta e a ambulância ainda não tinha regressado da capital. Fomos primeiro ver a senhora que estava no hospital. Observamos a doente e concluímos que provavelmente tem malária. Prescrevemos o tratamento e fomos para Dona Augusta. O doente que fomos buscar era um senhor de 73 anos que tinha caído no sábado e batido com a cabeça no chão. Contou-nos que na altura tinha bebido um bocadinho de vinho e escorregou por um morro abaixo, batendo com a cabeça, mas sem desmaiar. Tinha uma ferida na cabeça e tinha dificuldades em andar (mas já não andava muito bem antes de cair). Não aparentava ter nenhuma alteração neurológica ou do estado de consciência. Não conseguimos perceber porque só hoje nos tinham chamado quando o senhor caíra há quatro dias. Ficou no hospital de Angolares, pelo menos lá conseguimos que o penso se mantenha limpo e que o senhor se alimente adequadamente.
O resto do dia foi passado a fazer uma coisa de que gosto muito: programar. Concluí (ainda é preciso limar alguns pormenores, mas o essencial está feito) o programa que faz a estatística da nossa actividade clínica e em cinco minutos imprimi os dados de Agosto e Setembro. Agora ainda não é tempo de descansar, é preciso começar a escrever o relatório de Outubro.
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