Missão S. Tomé e Príncipe - Diário de Viagem, por Daniel Pinto
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Quinta-feira, 2005-11-03 23:11:54

Antes de sair de casa ofereci algum dinheiro à empregada e ao motorista. Já não tenho muitas dobras e ainda preciso de fazer algumas despesas durante o fim-de-semana, mas não vale a pena levar dinheiro para Portugal, mais vale deixá-lo a quem ele faz muito mais falta. Hoje de manhã fui com o Delegado de Saúde fazer consultas nos postos comunitários. Decidimos dividirmo-nos para nos despacharmos a tempo de apanhar o barco do meio-dia para o ilhéu das Rôlas: eu fiquei em Vila Malanza, enquanto o Dr. Américo seguiu para Porto Alegre. Quando cheguei ainda não havia doentes, mas foram surgindo aos poucos. Fiz seis consultas; vi fora da consulta alguns meninos com tinha do couro cabeludo (uma infecção fúngica da cabeça), mas não os pude tratar como desejava pois ainda não chegaram os medicamentos necessários de Lisboa; e ainda tive tempo para tirar fotografias na povoação e conversar um pouco com a irmã Isabel. É uma freira missionária da igreja católica, que está em Malanza há quase seis anos e em África há trinta e cinco. Regressa brevemente ao Brasil, a sua terra natal, mas ainda não sabe se definitivamente. Sai um pouco frustrada com algumas situações de que me deu conta e que também me deixaram bastante desiludido. Por exemplo, grande parte da roupa que havíamos deixado no posto para distribuir ás pessoas carenciadas foi vendida no mercado da capital e nunca chegou à população de Malanza. Mas também é muito fácil falar em honestidade, respeito pelos mais pobres e brio profissional quando somos um ocidental a quem nunca faltou comida… Aqui quase toda a gente é pobre, mas uns mais que outros.
Ao meio-dia o barco não estava em Ponta Baleia para nos levar e foi preciso mandá-lo vir do ilhéu das Rôlas. Chegámos quase à uma hora e comecei logo a fazer consultas, enquanto o Dr. Américo resolvia alguns assuntos com os responsáveis do hotel. Havia onze doentes e só terminei à consulta dez minutos depois das duas e meia (o horário de saída do barco e de encerramento da cantina onde habitualmente almoçamos). Felizmente alguns dos turistas estavam atrasados, o que nos poupou a uma espera de duas horas pelo barco das quatro e meia. Ainda assim, fomos sem almoçar.
Quando cheguei a Angolares comi qualquer coisa, não muito porque tinha combinado encontrar-me com o Manuel às sete para jantar. Ainda antes de jantar fui a casa do Dr. Américo ajudá-lo a ver os CDs com fotos que lhe tinha oferecido e ganhei um convite para jantar amanhã.
Às sete encontrei-me com o Manuel, que me levou a sua casa. Fica em direcção ao hospital de Angolares, a poucas dezenas de metros da estrada principal. O acesso não é muito fácil, por um carreiro enlameado e escorregadio. Nem a entrada, nem a casa têm luz eléctrica, pelo que não deu para ver muito. É uma casa feita em madeira, assente sobre estacas (a construção típica de S. Tomé), a que dá acesso uma pequena escada também em madeira. Não visitei a casa toda, mas pareceu-me que teria apenas duas ou três divisões: aquela em que jantei e possivelmente um quarto e uma cozinha no interior. A “sala” não teria mais de seis ou sete metros quadrados e era iluminada apenas por uma pequena lamparina a petróleo, que mal permitia ver os contornos das paredes. Nesta casa vivem o Manuel, a mulher, a filha de um ano e meio e uma meia-irmã do Manuel, de 7 anos, de modo que o jantar (frango com arroz e banana frita) foi bastante “aconchegado”. Chamar modestas a estas condições seria um eufemismo, mas o jantar foi uma oferta sentida e, provavelmente representa um rombo no orçamento mensal da família, o que evidencia o espírito de amizade com que foi oferecido. No final o Manuel entregou-me algumas coisas que lhe tinha pedido para levar para Portugal (o fruto do cacau, alguns bagos de café, um bolbo de rosa de porcelana e mais alguns legumes locais) e ainda me ofereceu duas molduras feitas em madeira e conchas de búzios. Ajudou-me a levar as coisas até casa e, antes de me despedir, quis dar-lhe também algum dinheiro, mas recusou: disse que não achava correcto receber dinheiro por coisas que dava aos amigos. Mas lá lhe fiz ver que, apesar de não ser muito, o dinheiro fazia-lhe mais falta a ele que a mim: tem uma filha para criar, uma casa para construir e um ordenado que não chega a cinquenta euros por mês. Espero ainda ter tempo de me despedir dele amanhã.

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